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A estruturas conceituas são, em regra, um conjunto de princípios, conceitos e fundamentos que guiam a elaboração e interpretação das demonstrações contábeis. Seu objetivo é uniformizar as práticas contábeis em todo o mundo e assegurar que as informações contábeis sejam comparáveis, relevantes e confiáveis. As estruturas conceituais abrangem conceitos fundamentais, como a entidade contábil, continuidade, materialidade e consistência, além de princípios contábeis básicos, como competência, relevância, confiabilidade, comparabilidade, prudência e integralidade. Também tratam da definição, mensuração, reconhecimento e divulgação dos elementos das demonstrações contábeis, tais como ativos, passivos, patrimônio líquido, receitas, despesas e lucros.
O presente texto tem como objetivo se debruçar sobre os estudos dessas normas conceituais, por meio de um breve relato histórico bem como de uma abordagem sobre sua configuração presente.
Para tratar das estruturas conceituais, é fundamental saber que tanto estas, quanto os princípios contábeis são derivações fundamentais da teoria da contabilidade. Porém, esses conceitos não se confundem entre si, e nem se confundem com o próprio conceito de teoria da contabilidade.
De acordo com Mattessich (1972), a contabilidade é uma ciência eminentemente empírica e, por conta disso, deve ter como base para uma teoria geral tanto as normas passadas quanto as presentes. Já para Most (1977), a teoria da contabilidade seria um “braço” da contabilidade que se distingue da prática contábil.
Nesse contexto, as estruturas conceituais possuem três características principais:
1. Abordagem particular da contabilidade.
2. Diálogo constante com a teoria da contabilidade.
3. Objetiva estabelecer diretrizes para orientar as demais normas.
Para continuar aprofundando a abordagem a respeito dessas estruturas, é fundamental tratar do tema princípios contábeis, que, por sua vez, possui também uma evolução histórica peculiar.
Por muito tempo, boa parte da literatura contábil manteve-se restrita aos conceitos originados em Luca Pacioli. Porém, com a revolução industrial e o amadurecimento do capitalismo, as firmas passaram a assumir novas configurações e tornou-se urgente amadurecer, com elas, as práticas contábeis.
De acordo com Most (1977), os principais autores da contabilidade até o início do século XX se preocupavam principalmente em descrever as práticas contábeis e fornecer regras para classificá-las. Contudo, a maioria desses autores não se preocupava em compreender as razões subjacentes à adoção dessas práticas e não estruturavam um conjunto de princípios para explicar a prática contábil como um todo, exceto por algumas exceções pontuais. Só a partir da 2ª Guerra Mundial, passaram a surgir inúmeros esforços para estabelecer padrões de princípios contábeis. Mas o que são princípios contábeis?
No contexto da contabilidade, Paton (1924) sugere que os princípios contábeis se baseiam em um acordo sobre considerações fundamentais, com o propósito de minimizar as variações arbitrárias de procedimentos decorrentes das opiniões de diversos gestores. Essa seria uma abordagem pragmática do conceito de princípios.
Nesse contexto, também surge o importante conceito de postulados contábeis que, de acordo com Iudícibus (2000), “são premissas ou constatações básicas, não sujeitas a verificação, que formam o arcabouço sobre o qual repousa o desenvolvimento subsequente da teoria da contabilidade”. Dessa forma, postulados de uma ciência costumam ser pouco numerosos e apontam as premissas básicas sobre qual se fundamentam os princípios contábeis. Além disso, tais postulados decorrer do contexto o qual estão inseridos na conjuntura econômica e política, bem como dos costumes da comunidade de negócios.
Como a contabilidade é uma área do conhecimento eminentemente empírica, a definição de princípios e regras gerais só se torna possível se houver, antes, a definição dos objetivos gerais da contabilidade. Essa é uma crítica feita por Hendriksen e Van Breda (2010). Porém, para estabelecer tais objetivos, duas perguntas-chave são fundamentais:
1. Quais os usuários da informação contábil?
2. Quais as decisões que esse usuários vão tomar a partir da informação contábil?
A determinação da informação relevante é uma decisão específica do usuário, uma vez que indivíduos diferentes podem reagir de formas distintas diante das mesmas informações e tomar decisões semelhantes. Assim, embora seja impossível preparar demonstrações financeiras perfeitas do ponto de vista teórico, é possível tentar tornar a informação contábil mais útil para ajudar a prever os retornos de investimentos futuros, mesmo que de maneira indireta.
Portanto, diante do contexto explicitado até aqui, surge a importância da definição de estruturas conceituais que são, em essências, “bússolas” para os elaboradores de normas conceituais, tendo como objetivo fornecer um arcabouço de conceitos e ideia que vão nortear tais normas.
A primeira estrutura conceitual foi publicada pelo American Accounting Association, em 1996, e era intitulada A Statement of Basic Accounting Theory (ASOBAT). Esse documento, de início, define o que é a contabilidade e seus objetivos como “o processo de identificação, mensuração e comunicação de informação econômica para permitir a realização de julgamentos e decisões pelos usuários da informação”.
Em 1970, o Accounting Principles Board (APB) reuniu um corpo de acadêmicos com o objetivo de avaliar as premissas contábeis e desenvolver normas que pudessem guiar os profissionais. Assim surgiu o Pronciamento No 4 (APB 4), que teve intenções de desenvolvimento (proposições gerais sobre o ambiente, objetivos e características gerais da contabilidade financeira) e educacionais (descrição das práticas contábeis geralmente aceitas).
Ainda na década de 1970, a Comissão Trueblood (organizada pelo FASB) elaborou um documento que buscava responder quatro questões fundamentais: (i) quem precisa de informação contábil; (ii) quanta informação é necessária; (iii) quanto da informação necessária pode ser fornecida pelos contadores; e (iv) qual estrutura é necessária para fornecer a informação necessária.
Após concluir seus trabalhos, a comissão elaborou um relatório que contém doze objetivos, sendo o mais importante deles "fornecer informações úteis para a tomada de decisões econômicas". O relatório também apresenta nove recomendações obrigatórias e sete características qualitativas das informações contábeis.
Atualmente, as estruturas conceituais advogam que as demonstrações financeiras têm como propósito prover informações contábil-financeiras sobre a entidade que as emite (reporting entity), que sejam úteis para investidores atuais e potenciais, para credores que emprestaram dinheiro e para outros credores que estejam avaliando a possibilidade de conceder recursos à entidade.
No Brasil, as contabilidade teve uma origem fortemente ligada a escola italiana e, durante muito tempo, o país teve duas estruturas conceituais diferentes: a da IPECAFI e a segunda editada pelo Conselho Federal de Contabilidade, por meio da Resolução no 750/83. A estrutura da IPECAFI era muito voltada para a utilidade dos usuários da informação contábil, e a da CVM era voltada para os princípios contábeis. A resolução definitiva do conflito na estrutura da contabilidade brasileira ocorreu por meio da criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e da adoção da Estrutura Conceitual das Normas Internacionais de Contabilidade Financeira (IFRS), que estabeleceram padrões e diretrizes contábeis unificados e coerentes com as práticas internacionais.
De acordo com Lopes e Martins (2007), o modelo proposto pelo IPECAFI tem como base a definição de um objeto maior da contabilidade, a partir do qual são estabelecidos os princípios contábeis que devem guiar a contabilidade na realização desses objetivos. Essa abordagem pressupõe uma estrutura na qual a contabilidade se concentra exclusivamente em fornecer informações relevantes aos usuários e se organiza em postulados e princípios.
Para o correto entendimento dos principais elementos de uma estrutura conceitual, é fundamental saber o significado de alguns termos que são centrais no núcleo desse conhecimento. São eles:
1. Objetivos: podem ser definidos como o propósito de uma ação ou algo que se pretende alcançar. Eles representam um alvo para o qual se direcionam esforços com o objetivo de materializá-los.
2. Informação necessária: tipos de informações de contabilidade financeira necessárias aos usuários para a tomada de decisão.
3. Características qualitativas: propriedades da informação contábil necessárias para torná-la útil. A estrutura conceitual em vigor no Brasil as separas em dois tipos: características qualitativas fundamentais (relevância, materialidade e representação fidedigna) e de melhoria (comparabilidade, verificabilidade, tempestividade e compreensibilidade).
4. Fundamentos: são ideias essenciais que estão por trás da medição de transações e eventos e da divulgação dessas informações de forma significativa para os usuários.
5. Padrões: referem-se a soluções amplamente aceitas pela comunidade contábil e pelos órgãos reguladores como uma forma de resolver problemas comuns na área contábil financeira.
6. Interpretações: ajudar a esclarecer, explicar ou detalhar padrões.
7. Práticas: efetiva aplicação de padrões e interpretações.
Atualmente, parte da discussão em torno das estruturas conceituais gira em torno da melhor abordagem para a sua construção. Talvez o dilema maior diga respeito a necessária escolha entre padrões contábeis baseados em regras pretensamente exaustivas para as práticas contábeis, ou produzir padrões contábeis trazendo apenas princípios gerais, e confiar no julgamento profissional dos auditores para assegurar que a aplicação desses padrões não seja enganosa.
Há, no meio desse debate, uma forte influência do sistema jurídico de cada país. Este, em regra, é dividido em dois sistemas mundialmente conhecidos: common law e code law.
O sistema jurídico conhecido como common law teve origem na Inglaterra e é encontrado de maneiras diferentes em muitos países de língua inglesa. Esse sistema é caracterizado pelo uso de princípios gerais e da jurisprudência consolidada para orientar o comportamento e chegar a decisões jurídicas. Geralmente, as soluções encontradas são mais casuísticas (analisadas caso a caso) e enfatizam a análise da substância em detrimento da forma. Por outro lado, o sistema de code law, predominante na Europa continental e em suas ex-colônias, geralmente enfatiza a criação de regras que tentam legislar sobre todos os comportamentos esperados, levando em conta todas as situações e exceções. Nesse sistema, a lei é a fonte primária do direito.
Em um ambiente jurídico onde o common law é predominante, a estrutura conceitual segue uma abordagem que valoriza mais os princípios e enfatiza a essência em relação à forma. Em contrapartida, em um ambiente jurídico onde predomina o code law, prevalece uma abordagem mais centrada em regras e formalista.
Portanto, finalizando as ideias introdutórias aqui apresentadas, é fundamental concluir que as estruturas conceituais são documentos formulados por reguladores contábeis, que possuem como objetivo a elaboração de normas específicas. A partir disso, muitas práticas são reguladas e trabalhadas na tentativa de padronizar ideias.
REFERÊNCIAS
FLORES, Eduardo; BRAUNBECK, Guillermo; CARVALHO, Nelson. Teoria da Contabilidade Financeira - Fundamentos e Aplicações. Grupo GEN, 2017. E-book. ISBN 9788597014525.
IUDÍCIBUS, S. Teoria da contabilidade. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
HENDRIKSEN, E.; VAN BREDA, M. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 2010.
LOPES, A. A informação contábil e o mercado de capitais. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
MATTESSICH, R. Methodological preconditions and problems of a general theory of accounting. Accounting Review, p. 469-487, jul. 1972.
MOST, K. Accounting theory. Ohio: Grid, 1977.
PATON, W. A. Accounting Theory: with special reference to the corporate enterprise.
The Ronald Press, 1924.
SCOTT, W. Financial accounting theory. 6. ed. Canada: Pearson, 2012.
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